Hermes e a esfinge no RWS Tarot: uma conexão poderosa
- Tati Santana
- 26 de jul. de 2022
- 4 min de leitura
Eis que Hermes apareceu em meus estudos sobre Mitologia Arquetípica, e eu não pude deixar de buscar conexões do deus grego com o Tarot.
Hermes é o deus dos caminhos. É o guardião, o viajante, o grande comunicador e, também, o trickster, o ladrão, o convincente embusteiro que tanto nos lembra o Mago do tarot em sua face negativa.
A conexão de Hermes com o arcano II é, inclusive, a mais notada pelos estudiosos do oráculo em geral. O Tarô Mitológico de Liz Greene, por exemplo, traz o deus na imagem da carta, afastando qualquer dúvida sobre essa percepção no universo do Tarot.
Assim, ver uma conexão significativa entre Hermes e o Tarot não seria, a princípio, algo surpreendente. Porém, ao longo da leitura sobre o deus e as suas características me vi mergulhada em associações com duas cartas em especial: O Carro e a A Roda da Fortuna.

Como costumo utilizar o Rider-Waite-Smith Tarot, ele é a minha principal referência. Por isso, acabei notando uma similaridade interessante entre essas cartas que também se encaixa super bem a certos aspectos de Hermes: a presença da esfinge!
A esfinge no RWS Tarot parece cumprir uma função muito semelhante da que cumpria na porta da cidade de Tebas, de acordo com o seu mais conhecido mito na cultura grega. Nas duas cartas, ela está em posições estratégicas para desafiar o ser em sua jornada. Se na carta do Carro ela aparece duplamente como a condutora da charrete sem a qual o heroi do Tarot é incapaz de avançar em sua busca, na Roda da Fortuna ela surge no alto da estrutura, regulando o movimento do ser nos altos e baixos da vida. Ou seja, sem a autorização dela, o ser também é incapaz de subir, ganhar, ascender na vida.
E o que tudo isso tem a ver com Hermes? Bem, para compreender essa conexão precisamos voltar ao mito da esfinge. Nos portões da cidade de Tebas, ela ficava a "barrar" os humanos para surpreendê-los com uma charada que era mais ou menos assim:
“O que é, o que é? De manhã tem quatro patas; de tarde, tem duas; e de noite, tem três?”
A resposta era a mais óbvia possível, o ser humano. Quem não decifrava a charada era devorado pela esfinge, afinal, quem não conhecia a si mesmo a ponto de descobrir tal resposta não era merecedor da passagem nem da vida. A esfinge era impiedosa, mas, ao mesmo tempo, tinha funções importantes ali. Vale lembrar que o autoconhecimento era valioso na Grécia Antiga. O aforismo do Templo de Delfos não nos deixa mentir.
Da mesma forma, a esfinge nas cartas do Carro e da Roda da Fortuna no RWS Tarot possui a importante função de "exigir" o autoconhecimento, de levar o ser à ele de qualquer maneira, pois ela sabe que só assim é possível traçar com sabedoria e dignidade o caminho de evolução. Precisamos ser dignos de avançar. Dignos de ganhar, de sentir o sabor da "sorte", de experimentar o topo da roda, de aprender com os altos e baixos da vida.
Na carta do Carro, a esfinge nos convida (se é que podemos ouvir suas palavras como um convite e não como uma ordem) a compreender os nossos conflitos internos, descobrir o que há de desarmonioso em nós, por assim dizer. Essa é a sua charada ali. Só a partir dessa descoberta, podemos nos reequilibrar e avançar.
Já na Roda da Fortuna, a esfinge nos chama para a realidade da vida, para a compreensão do movimento que há em tudo. Precisamos entender os ciclos, aceitar que a vida é feita de altos e baixos, ganhos e perdas, começos e finais. Só assim conseguiremos usufruir verdadeiramente desse movimento, não apenas com os ganhos pontuais que ele traz, mas principalmente com o aprendizado que conduz à evolução. Do contrário, vamos continuar a experimentar a roda, mas de um jeito indigno, cambaleando pelas beiradas, presos na ilusão da permanência e no medo de perder. Não vamos "passar pela porta da frente". Teremos que nos contentar com a porta dos fundos.
Hermes, por sua vez, também é guardião e regente dos movimentos. Seu lado trickster, para mim, se encaixa perfeitamente à inclinação da esfinge para as charadas. Ela está lá para transbordar um humor ácido, para fazer a piada perigosa que a permite devorar os tolos. Tal como Hermes, ela tem um Q de trickster. Na verdade, ela tem muito.
E o deus grego, com a sua capacidade de se movimentar tão rapidamente, andar por todos os mundos, "subir e descer" como minha mãe costuma dizer lá na Bahia, tem tudo a ver com o avanço da carta do Carro e com as movimentações da vida na Roda da Fortuna.
Outra conexão interessante se refere ao fato de que Hermes é o psicopompo na mitologia grega, aquele que conduz a alma dos mortos para os domínios de Hades, ou seja, para a morte que pode ser vista como símbolo de transformação, assim como faz a esfinge ao devorar os que desconhecem a resposta para a sua charada. Enquanto Hermes, ao fazer a condução, possibilita ao ser a experiência do ciclo de um modo geral, a esfinge como limitadora e devoradora atua de modo um pouco mais específico, porém dentro do mesmo espectro, propiciando ao ser ignorante sobre si a chance de começar de novo, de voltar algumas casinhas e aprender direito antes de tentar avançar para lugares mais preciosos.
Realmente, sinto que tudo isso está conectado, e muito bem conectado, evidenciando o quanto a presença da esfinge nessas cartas foi uma excelente escolha de Waite e Smith no momento da concepção do deck.
Precisamos estar bem espertos e atentos às charadas no caminho. Hermes é, inclusive, um deus extremamente ligado à esperteza. Para a nossa sorte, ele não se limita a se unir à esfinge para desafiar o nosso intelecto, mas também nos presenteia com a solução, o pensamento ágil, a astúcia em sua forma mais potente. Ainda bem. Ainda bem.
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